Mapas

Escrito em março de 2017, depois de ler este artigo — http://www.newyorker.com/books/page-turner/the-allure-of-the-map

Não a toa, pensava em se apaixonar como em cartografia. Atlas e cartas estelares, e seus olhos fechados desenhavam mapas dos corpos que tinha tocado. Alguns mapas, mal rabiscados em versos de guardanapos, do tipo que se perde no chão do carro depois de encontrar o lugar certo. Outros, cuidadosos trabalhos de arte, como os que se escondem em escaninhos de mesas de pata de leão e madeira escura, com detalhes pontilhados de histórias que viram acontecer.

Mas era sempre em geografia que pensava quando os olhos se fechavam na memória de quem tinha tocado. O rendilhado áspero das dobras do papel, como marcas de unha que formavam desenhos. O desenho secreto entre as árvores da floresta em um mapa medieval como aquela mancha na pele que tinha descoberto quase ao acaso. Diziam que seu toque era suave, só porque respeitava os mapas com uma devoção ancestral dos que tinham feito da estrada sua moradia. E agora, que o corpo era forçado àquele exílio inverso, de ficar parado no mesmo lugar, mapeava os corpos que tocava e que eram sua própria forma de conhecer as estradas.

Montanhas desenhadas e cartas estelares.

Havia aqueles que a memória desgastava, como dobrada tempo demais em algum porta luvas. Mesmo assim, a forma podia ser reconhecida. O traçado de ruas das quais os nomes tinham se tornado borrões. E os que mesmo perdidos por muito tempo, de algum modo se conservavam, desenrolados com lentidão de dentro da lembrança, a imagem refletida ali quase intocada pelos anos acumulados, a aquarela perdendo a cor mas as linhas escuras não deixando esquecer. Uma curva, uma costela, a pinta sobre o osso da bacia. A forma de um polegar que tateava suas costas desenhando também um mapa que sabia, ah, sabia, era também desenrolado de dentro da memória de quando em quando.

Mapas físicos com suas nuances de cor para indicar florestas e cerrados, legendas de quartzo e amplitudes, língua como queda d’água e anotações à mão de trilhas que tinha com paciência descoberto com o roçar das digitais. Estradas atravessando o campo aberto, a marca não escrita do caminho que levava de volta para casa.

E intrincadas geografias se desenhavam sob as pálpebras, pescada da memória a carta estelar que tão rápido tinha ficado impressa nos olhos. O sombrio do cabelo denso como as manchas escuras do céu, nevos como estrelas, boca como nebulosa. Cartas estelares para aprender a olhar mais longe, buscando sentido de oriente para quem sonhava ser barco. Conhecer o céu para não perder o caminho no mar, ele mesma carta náutica, correntezas e abismos e cordilheiras invisíveis.

Fazia mapas dos corpos que tocava. Arte secreta e sussurrada aprendida de ver, o sol da tarde filtrado pela janela de guilhotina, o tempo que dançava nas pontas dos dedos e nas páginas dos livros. O aprendizado dos tipos de papel e das tintas alquímicas, a medição imprecisa e escala perfeita, o movimento das marés e da lua, o espaço vazio que contava mais do que o risco, os traços do labirinto, as anotações na borda daquilo que não podia ser expresso de outro jeito.

Quando a palavra escapava e era apenas uma pequena sombra daquele exílio às avessas, deixava o corpo afundar entre os lençóis, e buscava novas cartografias, seu mundo se esticando como o mapa preguiçoso sendo desamassado, o dedo que corria na pele e que encontrava o caminho das estradas do mundo por onde não podia partir.

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